[Um espétáculo de Vera Mantero]
À espera no consultório. uma televisão na sala de espera, ligada no canal Odisseia, se não me engano. era a odisseia do mágico houdini. fascinante. um homem que gosta de se agrilhoar, aprisionar, acorrentar, amordaçar, encarcerar, algemar (principalmente algemar) e de desaparecer completamente debaixo de água. escapar é a ideia central da vida dele. escapar-se. escapar de. os americanos tinham certamente gozo ao vê-lo enganar a polícia com os seus truques, mas os narradores do programa sublinharam o especial prazer que tinham certos outros povos (como na altura o povo alemão, que vivia sob uma ditadura) ao vê-lo dirigir-se à esquadra pedindo o especial favor de ser algemado e preso, para logo em seguida ridicularizar os chuis, soltando-se de todas as algemas e grades possíveis e imagináveis. o sr. houdini era obcecado pela publicidade. só visitava as esquadras de polícia acompanhado por um séquito de jornalistas. e fazia os seus truques diante de multidões, como aquele de se pendurar do alto de um arranha-céus de cabeça para baixo, enfiado dentro de um colete de forças. tinham vindo vê-lo morrer, dizia ele.
outra espera. esta na paragem do autocarro. sou daquelas pessoas que nunca apanham autocarros, nunca esperam por transportes. tenho transporte próprio. mas hoje esperei na paragem. e parei. a paragem não é só a do autocarro, é também a das pessoas. e parar, hoje em dia, é uma coisa muitíssimo agradável. ter de parar. As pessoas com transporte próprio nunca têm uma razão para parar. parei e fiquei a olhar para a rua. pode ser muito cansativo olhar para uma rua, sempre coisas a passarem à frente dos nossos olhos, um movimento incessante que insiste em não nos dizer nada. portanto decidi fixar o olhar, tentando não me distraír com informação inútil, a ver se via alguma coisa. à frente da paragem havia uma nesga entre dois prédios que me permitiu ver algumas estrelas. fiquei a olhar para elas, imóvel. sei que para as outras pessoas deve ser um bocado estranho ver alguém imóvel e a olhar fixamente, eu própria acharia estranho. mas para quê olhar para tudo, se não se vê nada?
-Vera Mantero
- Duração: 53
- Ano de produção: 1998
- País: Portugal