Professora, Autora, Filósofa e Ativista

«Sim, somos subversivos… e vamos continuar a ser subversivos até termos mudado todo o sistema que nos oprime.» A frase poderia ser a apresentação-chave de Angela Davis, activista política, professora universitária, duas vezes candidata a vice-presidente dos Estados Unidos.


Foi esta a afirmação, dita na Universidade da Califórnia que levou ao segundo despedimento da activista pela instituição, por ser considerado inadequada a uma professora universitária. O anterior despedimento tinha sido anulado por um juiz que defendeu que as filiações partidárias de uma pessoa, que estava ligada ao Partido Comunista, não poderiam ser motivo de despedimento.


Com apenas 26 anos, Davis era já o rosto de alguns dos mais relevantes movimentos cívicos dos Estados Unidos, durante as décadas de 60 e 70, como o abolicionismo prisional, a luta contra a segregação racial, a discriminação de género e as injustiças sociais decorrentes do capitalismo. 


Este foi, também, um dos períodos mais marcantes na vida política da activista e professora universitária, que foi detida, em 1970, e acusada de conspiração pela morte de várias pessoas no assalto a um tribunal do em Marin, durante um julgamento de dois ativistas negros.  Jonathan Jackson, irmão de George Jackson - um conhecido escritor e membro do Partido Pantera Negra, na altura companheiro de Davis - interrompeu uma sessão de tribunal para libertar os dois “irmãos”. Deste acontecimento resultou a morte do juiz, dos acusados, de Jonathan, e do promotor público. As armas usadas tinham sido adquiridas por Davis, que vivia num estado de ameaça permanente, devido à sua ligação com o Partido Comunista, o que lhe valeu o já mencionado despedimento da Universidade da Califórnia. “(...) I think this membership requires no justification” [“Eu penso que esta ligação não necessita de ser justificada”], escreveu Davis à comissão da universidade na altura.


Foi neste clima de ameaças, e pós-atentado no tribunal, que Davis foi detida. Durante os 16 meses que passou na prisão, quase sempre em isolamento por medo da direcção prisional acerca da sua potencial influência sobre as outras detidas, a activista escreveu o seu primeiro livro, “If They Come in the Morning: Voices of Resistance”. É a partir deste momento em que a sua luta e a sua voz ganham projecção mundial, com vários movimentos internacionais de direitos civis a exigir a sua libertação. A cantora Aretha Franklin ofereceu-se, inclusive, para pagar a sua fiança em dinheiro, «não porque acredite no Comunismo, mas porque Angela Davis luta pela liberdade de todas as pessoas negras», explicou Franklin. Em 1972, seria anunciada a sua absolvição. «Esta é uma vitória do povo», afirmou Angela Davis, no dia da sua libertação. 


Davis tornou-se, assim, o rosto da luta pela liberdade de expressão, pelas mulheres, pela militância negra e simboliza a rebeldia e a inquietação próprias daquela época e dos movimentos civis.


Mas esta detenção veio reforçar uma das suas principais batalhas na área de direitos civis: a abolição total das prisões que a autora designa por “complexo industrial prisional”. Angela Davis estabeleceu-se também como crítica voraz do poder racista institucionalizado, do feminismo branco, que ela designa como “mainstream feminism” ou “glass ceiling feminism”, e do sistema capitalista, que cria uma sociedade desigual e desestruturada. Estes são temas recorrentes e fundamentais nas diversas palestras e obras que a autora tem lançado ao longo dos anos, como “Mulheres, Cultura e Política”, “A Liberdade é uma Luta”, “As Prisões Estão Obsoletas?” ou “Angela Davis, Autobiografia”, alguns já editados em Portugal.


O envolvimento com os movimentos de direitos civis era recorrente na sua vida - a sua mãe, Sallye Davis era líder do Congresso Sulista de Juventude Negra -, e Angela, nascida a 1944 em Birmingham, Alabama, cresceu numa sociedade profundamente marcada pelas leis segregacionistas de Jim Crow. Os conhecimentos que os pais tinham, dentro do Partido Comunista e dos diversos movimentos cívicos, deram-lhe a oportunidade de frequentar uma escola de elite branca. Depois de terminar o liceu, já em Nova Iorque, e graças a uma bolsa escolar, Davis mudar-se-ia para Massachusetts, para frequentar Estudos Franceses na Universidade de Brandeis, e mais tarde, viajou para a Europa, para estudar Filosofia com o sociólogo e filósofo Herbert Marcuse, na Universidade de Frankfurt. Sobre Marcuse, Davis diria que ele foi determinante na sua formação como marxista. Após os estudos de Literatura Francesa, na Sorbonne, em Paris, Angela Davis segue para a Universidade da Califórnia, onde completa o seu mestrado em Filosofia, acompanhando o seu mestre Herbert Marcuse, que havia sido convidado para dar aulas na mesma instituição. Depois desta, Angela Davis completou ainda um doutoramento, também em Filosofia, na Universidade Humboldt, de Berlim.


Com visões profundamente anti-capitalistas ao lado da luta feminista interseccionalista e de libertação negra, considera estes três temas intrinsecamente ligados numa relação de causalidade. Em 1969, Davis foi convidada para dar aulas na Universidade da Califórnia. Cimentou a sua posição abolicionista relativamente ao regime prisional dos Estados Unidos após o seu envolvimento na campanha de libertação de três prisioneiros, conhecidos pelos “Brothers Soledad”, acusados da morte de um guarda-prisional branco na prisão de Soledad. Um dos “irmãos”, George Jackson acabou morto num motim prisional, ainda antes de ir a tribunal. As cartas escritas por Jackson durante o tempo que esteve detido tornaram-se também um símbolo da luta abolicionista.


O impacto do activismo e da luta de Davis, bem como as suas ideologias revolucionárias, garantiram-lhe uma posição de destaque no mundo académico e um símbolo internacional para a luta e revolução, pela paz, pelos direitos e pela equidade, focando-se na reforma do sistema prisional e na desigualdade sob o capitalismo, continuando a luta pela libertação das mulheres, dos negros, e da comunidade LGBTQ+. O seu legado político e cívico é indiscutível.