Revoluções: o cinema como motor e memória das mudanças do mundo

03.11.2025

O cinema é uma das janelas para a história dos acontecimentos que mudaram ou tentaram mudar o mundo. E, desde cedo, o cinema participou activamente em processos revolucionários, seja através de produções assumidamente panfletárias, ou como narrador (quase impossivelmente neutro) de revoluções que marcaram a história e acabaram por influenciar a construção social, política e económica do mundo que hoje habitamos. O ciclo Revoluções é um olhar para essa relação entre cinema e revolução, que faz uma viagem pelo tempo e pelo mundo.

O ano de 1968 foi efervescente. Na Europa, o movimento estudantil ocupava universidades e saía à rua exigindo mudanças sociais e políticas. Nos Estados Unidos, proliferavam protestos contra a Guerra do Vietname e movimentos pela paz, que no ano seguinte encontraram expressão no festival de Woodstock, até hoje um dos símbolos desse movimento. Inserido no ciclo Revoluções do LEFFEST, o Teatro do Bairro acolhe a 8 de Novembro a Noite Spirit of 68’, embalada pelo cinema e pela música. Em exibição, estarão curtas-metragens experimentais que recordam o Maio de 68, como as que compõem a criação colectiva Cinétracts (1968); e também Actua 1 (Philippe Garrel, 1968); e La Révolution n’est qu’un début, continuons le combat (Pierre Clémenti, 1968). Logo a seguir, o bar estará pronto a servir o público, regando conversas e debates informais de todos os presentes, ao mesmo tempo que bebem inspiração do oscarizado documentário Woodstock (1970), de Michael Wadleigh, que será exibido em pano de fundo, nas suas mais de três horas de duração.

Volta ao mundo em revoluções

Além das curtas-metragens que recordam o Maio de 68, são 16 os filmes que compõem o programa, estreados entre 1927 e 2020, abordando os mais variados temas e geografias. O filme mais antigo é Outubro, de Sergei Eisenstein, que viu a luz do dia dez anos depois da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia czarista, encenando os eventos em Petrogrado desde o fim da monarquia até à tomada do poder pelos bolcheviques. Mas não é o que recua mais atrás no tempo. O Revoluções inclui, por exemplo, Red Psalm (1972), de Miklós Jancsó, sobre um grupo de agricultores húngaros que, em finais do século XIX, enfrentou o latifundiário, exigindo respeito pelos mais básicos direitos.

E como a política norte-americana gera, nos dias que correm, uma nova instabilidade interna, mais uma vez com consequências fora das suas fronteiras, vale a pena recordar filmes americanos, diferentes na forma e no conteúdo, mas contemporâneos um do outro, numa viagem à década de 70: um é Ice (1970), de Robert Kramer, que constrói uma América distópica onde um governo fascista trava uma guerra contra o México, numa clara analogia com a Guerra do Vietname, sendo combatido por um grupo radical de esquerda; o outro é The Spook Who Sat by the Door (1973), de Ivan Dixon, um thriller político baseado no romance de Sam Greenlee e um dos filmes independentes americanos mais provocadores da sua década. Uma história centrada no primeiro agente negro da CIA, recrutado através de um programa concebido para fins políticos, num plano em que o tiro sai pela culatra.

Dos Estados Unidos, o LEFFEST exibe ainda The Inheritance (2020), de Ephraim Asili, reconstituição documental do grupo de libertação MOVE, bombardeado pela polícia em 1985. Evocando O Maoísta (1967), de Jean-Luc Godard (outro dos filmes de Revoluções), o filme encontra pontos de contacto entre política, humor e filosofia, dentro da moldura de autores e radicais negros.

As turbulências revolucionárias da América Latina também encontram ecos na programação do LEFFEST. Do México, chega La negra Angustias (1950), de Matilde Landeta, sobre uma jovem nascida no início do século XX, filha de um generoso bandido, que se junta aos zapatistas numa montanha, lutando por justiça para mulheres e camponeses. E da Argentina, La hora de los hornos (1968), ensaio de Fernando E. Solanas e Octavio Getino, sobre a situação sociopolítica do país entre 1945 e 1968, então governada por oligarquias e ditaduras militares pró-americanas. O programa explora ainda o ambiente revolucionário de Espanha durante a Guerra Civil Espanhola, através de Terra e Liberdade (1995), do britânico Ken Loach, cuja obra é fortemente marcada pelos temas dos direitos laborais e sociais.

Toda a programação do ciclo Revoluções pode ser consultada aqui.