A Competição Oficial do LEFFEST é também um mapa sensível do cinema contemporâneo. Onze filmes, onze vozes singulares, percorrem geografias, formas e linguagens para falar da busca de pertença, das feridas íntimas, da memória partilhada e do que ainda nos une num mundo em fragmentação. Um destes títulos será distinguido com o Grande Prémio NOS.
Quatro destas obras habitam um mesmo território emocional, o desejo de encontrar um lugar no mundo. Em Entroncamento, de Pedro Cabeleira, apresentado na secção ACID do Festival de Cannes 2025, Laura procura recomeçar numa terra de passagem. À deriva entre biscates e pequenos delitos, cruza-se com uma juventude desencantada e sonhadora, num retrato cru e solidário daqueles que vivem no limiar entre a sobrevivência e a esperança.
De Portugal ao Irão, In the Land of Brothers, de Raha Amirfazli e Alireza Ghasemi, acompanha três gerações marcadas pelo exílio e pela sensação de nunca pertencerem verdadeiramente a lugar algum. Vencedor do prémio de Melhor Realização de Drama na Competição Mundial do Sundance Film Festival 2024, é um manifesto por um mundo sem fronteiras.
Em Las Corrientes, Milagros Mumenthaler filma Lina, que regressa a Buenos Aires depois de um gesto impulsivo na Suíça. A estabilidade desmorona-se e o corpo torna-se espelho de uma identidade em suspensão, num retrato sensorial sobre pertença, desejo e o peso das aparências. Já Olmo, de Fernando Eimbcke, acompanha um verão de 1979 no Novo México. Um rapaz de 14 anos descobre que crescer significa, por vezes, reaprender a amar o lugar de onde sempre quis fugir.
Três filmes desta selecção foram distinguidos no Festival Internacional de Cinema de Veneza. The Sun Rises on Us All, de Cai Shangjun, é um melodrama luminoso e ferido. Dois antigos amantes reencontram-se num hospital e descobrem, entre as cicatrizes, a possibilidade de uma reconciliação tardia. Xin Zhilei recebeu a Copa Volpi de Melhor Actriz pela sua interpretação.
Em Songs of Forgotten Trees, Anuparna Roy acompanha Thooya e Swetha, duas mulheres que trabalham num call center em Mumbai e partilham casa e silêncios. O ruído da cidade esconde feridas íntimas e acende uma cumplicidade inesperada, num poema sobre empatia, solidão e resistência feminina, distinguido com o prémio de Melhor Realização na Competição Orizzonti. Já Silent Friend, de Ildikó Enyedi, estende-se ao longo de dois séculos e três histórias interligadas por uma única árvore que resiste ao tempo. Entre ciência e mistério, é um filme sobre a linguagem invisível do mundo. Luna Wedler recebeu o Prémio Marcello Mastroianni para Melhor Actriz Secundária pela sua interpretação.
Na Quinzena dos Cineastas, Miroirs n.º 3, de Christian Petzold, mergulha na solidão de duas mulheres isoladas num refúgio onde a música e o silêncio se tornam armas de confronto emocional, num jogo de espelhos sobre memória e intimidade. The President’s Cake, de Hasan Hadi, vencedor da Caméra d’Or, transforma a preparação do bolo de aniversário de Saddam Hussein numa sátira feroz ao absurdo do autoritarismo, contada pelos olhos de uma criança.
O cinema americano marca presença com Blue Moon, de Richard Linklater, um retrato melancólico de Lorenz Hart (interpretado por Ethan Hawke) na noite em que se confronta com a passagem do tempo e a sombra da obsolescência. Andrew Scott foi distinguido com o Urso de Prata de Melhor Interpretação Secundária no Festival Internacional de Cinema de Berlim.
A estreia europeia de Where to Land, de Hal Hartley, encerra a selecção. Joseph Fulton, realizador reformado, decide tornar-se jardineiro num cemitério. A família interpreta este gesto como presságio. O humor melancólico e a ternura das suas despedidas fazem desta comédia uma reflexão delicada sobre envelhecer, criar e permanecer. A exibição integra ainda uma homenagem ao cineasta norte-americano.
Da adolescência à velhice, da resistência ao amor, da natureza à memória, estas onze obras não oferecem apenas um retrato artístico do nosso tempo. São também um espelho vivo da nossa humanidade. É no LEFFEST que estas vozes se encontram, para disputar o Grande Prémio NOS e, sobretudo, para ecoar nas salas escuras onde o cinema continua a ser o lugar onde pertencemos.